Stefan Feld é provavelmente o grande nome do momento nos board games. Estourou há apenas 4 anos, com o lançamento de Notre Dame e In the Year of the Dragon. Manteve o sucesso com Macao, Burgund, Luna e The Name of the Rose. Suas mecânicas originais e inteligentes produzem fãs e começam a pôr seu nome ao lado de Knizia, Kramer, Wallace e Uwe Rosenberg.
Mas os eurófilos, e mesmo os novos fãs do autor, desdenharam um pouco de seu lançamento Die Speicherstadt, de 2010. É um jogo sem a multidão de tokens, dados e outros pirulitos que vinha aparecendo nos lançamentos anteriores. Também posso ser acusado e condenado: muitos meses atrás joguei 2 partidas do dito cujo e larguei pra lá.
Felizmente retomei há algum tempo, virei a cabeça e mudei tudo. Todos os designs de Feld são de ótima qualidade, mas hoje somente dois me interessam praticar assiduamente: In the Year of the Dragon e Die Speicherstadt*.
Os jogos de Feld baseam-se sempre em uma quantidade limitada de ações disponíveis. Não há tantos modificadores, como prédios com poderes especiais cuja escolha podem constituir “combos” às vezes até imprevisíveis.
Apesar disso, a maioria de seus jogos é maravilhosamente complexa, deixando os jogadores sempre aterrados pela quantidade de fatores a atentar, exigindo em geral uma grande dose de planejamento.
Em Die Speicherstadt, porém, as coisas são um pouco diferentes. Não é necessariamente tão mais simples do que seus sucessos. Mas a mecânica é bastante direta e os elementos de pontuação são escassos e bastante claros. Isso traz um primeiro ponto a ser comentado sobre o jogo: pode ser um excelente cartão de visita, para jogadores iniciantes e ocasionais, do universo euro.
A mecânica do jogo é tão direta que a explicação sobre ela pode ser feita em uma simulação de 30 segundos. A ideia é muito criativa: os jogadores colocam seus trabalhadores em filas para disputar as cartas da rodada. Depois de todos os trabalhadores terem entrado em jogo, resolve-se uma carta por vez. A preferência para a compra da carta é de quem está na frente dessa fila, mas o preço a ser pago é igual ao número de trabalhadores enfileirados!
A simplicidade dessa mecânica desviou os fãs de Stefan Feld (como disse também fui culpado) do fato de que ela é genial. Podemos esperar replicações e adaptações desse sistema em outros jogos nos próximos anos. Aqui, está em essência.
Também essencial é a matéria das cartas que são disputadas. Há contratos para serem cumpridos com recursos, há navios que trazem os recursos, há mercadores que vendem esses recursos, há os bombeiros para defender dos incêndios eventuais, há as cartas especiais que premiam a acumulação, enfim, há diversos daqueles expedientes comuns a incontáveis jogos para a obtenção de pontos de vitória.
Além de mim, muitas outras pessoas também consideraram isso uma parte trivial do jogo. Acontece que isso não é o jogo! O jogo é a fila dos trabalhadores!
Vejam só a originalidade. Em grande parte dos jogos, o desafio é saber quanto vale um determinado recurso, prédio, etc. O jogador avalia a situação e considera que vale a pena pagar até determinado valor. Isso pode ser realizado de diversas maneiras. A mais “simples” é o leilão, em suas muitas formas. Mas também podem aparecer preços fixos e o fator contexto: por exemplo, um prédio pode ser considerado barato no começo do jogo e caro no fim, ou o contrário. Uma carta em Dominion pode ser cara num conjunto, e barata em outro. E assim por diante.
Aqui, as cartas são essenciais, sempre muito boas, e a avaliação é diferente. Talvez a carta Banco seja a única que possa ser avaliada de forma semelhante à exposta acima: quanto mais cedo ela aparecer, mais ela vale. De resto, o que interessa é a briga nas filas e o ataque ao dinheiro dos adversários.
Sendo assim, este é um jogo imperdível para quem valoriza a interação. Ao jogar, você se verá tentando aproveitar a jogada de Fulano para prejudicar Beltrano um pouco mais, e tentando aproveitar a jogada de Beltrano para prejudicar Fulano ainda mais, e sempre tentando se posicionar da melhor maneira possível para levar uma carta razoável pagando o mínimo. Quanto tempo você deve esperar para começar uma fila, tentando não deixar muito clara sua preferência por aquela carta, mas também evitando que outro jogador tome a frente? Quando vale a pena usar a tática de enfileirar todos os seus trabalhadores numa única carta, para deixá-lo bem cara ao jogador preferencial?
Muito interativo, original, complexo, inteligente, rápido de armar, de jogar e de desmontar, e que ainda serve como uma boa introdução ao universo euro — o que pedir mais? Tem basicamente as mesmas qualidades de jogos como China e Samurai, que eu valorizo bastante — demoram o mesmo tempo, têm complexidade semelhante, etc. —, mas Die Speicherstadt é claramente mais fácil de explicar para um iniciante/ocasional.
Por curiosidade, o designer Uwe Rosenberg deu nota 9,3 no BGG para o jogo e ainda escreveu: “Que seja o Jogo do Ano 2010 na Alemanha!”.
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*Obs.: o mesmo motivo que me fez repensar o Die Speicherstadt também me fará testar de novo o Macao. Ainda não joguei o Burgund, mas por tudo o que pesquisei acredito que não irá me interessar.
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